Anistia para quem vive do tráfico



As longas guerras civis terminam em genocídio ou num acordo de paz. Não terá chegado a hora dos brasileiros se sentarem à mesa para uma negociação que interrompa a violência entre nós?

Há mais de meio século Bezerra da Silva já cantava “Se vocês estão a fim de prender o ladrão, podem voltar pelo mesmo caminho, o ladrão está escondido lá embaixo, atrás da gravata e do colarinho” (ver aqui seu delicioso samba Vítimas da Sociedade).

As forças armadas brasileiras (inclusive o exército e a marinha) já realizaram diversas operações de guerra contra grupos armados nas favelas e obtiveram resultados midiáticos por algumas semanas. Numa das últimas, o ministro Raul Julguemal chegou a ficar irritado quando uma grande manobra estratégica supervisionada por ele resultou em vazamentos de informações e na captura de meia dúzia de fuzis velhos e alguns quilos de maconha (VER AQUI).

Geralmente, em seguida a estes surtos de esperança na violência oficial contra a violência rebelde dos traficantes, passado o interesse da classe média, as organizações de traficantes retomam seu controle armado com muito mais vigor sobre as mil favelas que existem apenas no Rio de Janeiro.

Estas operações espalhafatosas custam o equivalente a milhares de casas, escolas, salários de professores, atendimentos médicos e investimentos em empregos, recursos que poderiam ser distribuídos para a toda a população atingida de forma muito mais eficaz do que um punhado de balas perdidas no combate às verdadeiras causas da violência.

Manter uma política de enfrentamento militar para o uso de drogas é uma forma de política social equivocada e cruel que tem sido abandonada em muitos países. Portugal, por exemplo, tem sido considerado um exemplo de solução pacífica para a questão das drogas (VER AQUI). Por que não ouvimos o que os portugueses têm a dizer? Nem precisamos de tradutores para entendermos que o maior perigo das drogas é o chumbo do qual são feitas as balas de fuzil.

É preciso acreditar que o mundo se divide em bandidos e mocinhos para achar que as pessoas que vivem do tráfico são mais malvadas do que os jovens de classe média brasileira que usam seus carros como armas depois de ingerirem álcool. Ou que os chefes do tráfico sejam mais perigosos que a quadrilha do Temer e suas malas de dinheiro. Ou que os jovens negros que portam fuzis sejam mais cruéis do que os rapazes brancos norte-americanos que atiram em seus colegas de escola com armas automáticas, semana sim semana não, nos Estados Unidos.

Favelados trabalhadores, classe média e os ricos somos seres humanos semelhantes e a maioria de nós é pacífica, mas estamos reféns daquela minoria perversa que existe em todas as classes sociais, aliás com poder de dano proporcional à sua riqueza: quanto mais rico um perverso, maior o alcance de sua crueldade.

É tempo de pararmos de atirar a torto e com a direita e sentarmos à mesa com os traficantes, discutindo os termos de um acordo de paz, o qual necessariamente tem que incluir a anistia para todas as pessoas que precisam do tráfico para viver. Não estou falando de anistiar os chefões com seus helicópteros de cocaína, esses não. Esses já estão milionários e não precisam do tráfico de drogas para viver e merecem um julgamento criminal justo. 

Falo de anistia para os adolescentes e suas mães pobres, sem qualquer perspectiva de vida, que são obrigados a vender punhados de droga para o consumo da classe média para poderem comprar o que comer e vestir. É hora da anistia geral para todas estas pessoas vítimas da sociedade, como disse o Bezerra da Silva, e que esta anistia seja retroativa a mais de um terço da população carcerária neste momento que está presa por tráfico de drogas.

É claro que descriminalizar as drogas e anistiar as pessoas não resolveria todos os problemas que geram a violência, mas seria o começo da derrubada de um dos nossos muros de Jerusalém. Precisamos construir uma verdadeira e ampla mesa de negociações:um lado o Estado brasileiro ofereceria casa, comida, escola, emprego, aposentadoria e saúde, ou seja, ofereceria o futuro. Do outro, todas as pessoas envolvidas com o tráfico de drogas entregariam suas armas e ofereceriam a paz.



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